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terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Mediação como Solução Alternativa de Conflitos Familiares



POR QUE E QUEM DEVE UTILIZAR O PROCEDIMENTO?
POR QUÊ?


Os problemas do judiciário brasileiro são de fácil constatação. Até mesmo a grande massa leiga pode citá-los de maneira corriqueira. A insuportável demora dos processos, as deficiências dos serviços de assistência judiciária, a falta de eficácia dos provimentos judiciais, geram nos recebedores de tal prestação estatal uma enorme falta de credibilidade. Interessante notar que tais problemas não são exclusivos do Brasil, mas ocorrem de forma semelhante em países como Inglaterra, EUA, Argentina e outros. Assim, tem-se que problemas sociais e jurídicos comuns, demandam uma intervenção jurídica semelhante. Portanto, desta maneira, o direito em geral (e neste caso em particular, o direito processual) deve ser analisado de acordo com as necessidades dos usuários e não somente dos produtores do direito. É o que o nobre jurista MAURO CAPELLETI denomina de Justiça Coexistencial, ao afirmar que: "Bastante relevante se apresenta a substituição da Justiça contenciosa (de natureza estritamente jurisdicional), por aquela que tenho a chamado de Justiça coexistencial, baseada em formas de conciliação”. A despeito de controvérsia sobre o tema, de uma maneira geral, as decisões judiciais proferida em sede contenciosa presta a solucionar conflitos isolados oriundos em uma relação que se perpetua no tempo. Logo, o litígio, ainda que resolvido, poderá novamente aflorar levando-se em consideração que a relação em si não fora tratada.
            Em lides nas quais as relações dos litigantes se findarão após o processo judicial, o atual sistema paradigmático ou até mesmo meios alternativos (como a conciliação ou a arbitragem) possuem seu valor/eficácia consubstanciado. Ou seja, ainda que insatisfeita a parte sucumbente (que utilize os meios próprios para recorrer) não mais se relacionará com a parte vitoriosa, pois o Estado se pronunciou e pacificou o conflito. Como exemplificação podemos citar um acidente com veículo automotor. Após o provimento estatal as partes seguirão suas vidas. Não mais se relacionarão, a não ser que tenham a infelicidade de novamente se envolverem em tal situação. Contudo, em uma situação familiar, não há que se falar em fim da relação após a lide judicial. Podemos afirmar que ainda que os litigantes se esforcem para nunca mais se relacionarem ou se encontrarem, tal situação é faticamente impossível. Nestes casos, é necessário o tratamento das relações e não somente um ponto final no conflito isolado. A mera fixação de um valor para pensão alimentícia ou a definição da frequência de visitas não pacifica de forma eficaz a relação como um todo, pois se trata de algo que se perpetuará no tempo. Possuímos uma Constituição promulgada sob a proteção de Deus. A despeito das discussões sobre o caráter normativo de tal trecho e o fato de sermos um Estado laico, não podemos desconsiderar que os princípios cristãos influenciaram e ainda influenciam todo o nosso ordenamento jurídico. A família (erigida como base da sociedade no artigo 226, CF/88) deve ser sempre protegida e a sua manutenção como meta principal de todo o sistema sóciojurídico. Nunca na história da humanidade o número de divórcios superou o número de casamentos. 
Assim, a vitória de um e a derrota de outro com relação a um ponto determinado na lide familiar, repercutirá certamente em novos processos judiciais ou a reabertura dos mesmos. Não há necessidade de se citar números para se provar as reincidências referentes às causas de família no judiciário brasileiro. Apenas para fins didáticos citaremos os últimos números fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça referentes ao Estado do Rio de Janeiro. O Estado ocupa a 9ª colocação na tabela de despesa total da justiça estadual por habitante com R$ 117,06, sendo que tal despesa representa 0,55% do PIB Estadual (Conselho Nacional de Justiça, disponível em www.cnj.jus.br).
          Portanto, a iniciativa legislativa com o Projeto de Lei 94/2002 visa em curto prazo retirar a sobrecarga do judiciário, especialmente em relação às reincidências nas causas familiares. Por fim, tem por finalidade a mudança na forma de pensar da população e também dos operadores do direito quanto às formas de resolução de conflitos. Não há como expurgar de vez o litígio da sociedade, mas há sim formas diferentes de tratá-lo. Em se tratando de relações familiares, devemos espelhar nas formas apreendidas com o direito comparado. Provou-se eficiente e eficaz cuidar não somente do ponto controvertido em si, mas também no relacionamento como um todo através de técnicas apropriadas.

QUEM?               
             Além da conscientização da população para o novo meio de resolução, constitui fator essencial a preparação dos agentes que atuarão nas mediações extrajudiciais e judiciais (prévia e incidental). Os artigos 9° ao 16° do projeto citado supra, prevê as normas regulamentares referente aos mediadores. Estes deverão ser pessoas de conduta ilibada, capazes e com formação técnica ou experiência prática. Todos deverão ser cadastrados do Registro de Mediadores e capacitados para o serviço auxiliar a justiça (equiparados a funcionários públicos para fins penais). Os mediadores extrajudiciais serão independentes, já os judiciais (advogados com mais de 03 anos de efetivo exercício, defensores públicos e magistrados) atuarão de maneira prévia ou incidental. Ressalte-se a norma preconizada no artigo 15 do referido projeto:
“Caberá, em conjunto, à OAB do Brasil, ao Tribunal de Justiça, à Defensoria Pública e às Instituições especializadas em mediação devidamente cadastradas na forma do Capítulo III, a formação e seleção dos mediadores, para o que serão implantados cursos apropriados, fixando-se os critérios de aprovação, com a publicação do regulamento respectivo.”
         Assim, os mediadores judiciais serão formados pelos órgãos acima citados e suas atividades fiscalizadas pelos mesmos. Contudo, uma questão ainda ressalta aos olhos. Porque o magistrado deve aprender sobre o procedimento da mediação?
            O projeto prevê a alteração do artigo 331 do CPC e a criação do artigo 331-A com a seguinte redação:
 “Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo máximo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
 § 1o Na audiência preliminar, o juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, mesmo tendo sido já realizada a mediação prévia ou incidental.
 § 2o A lei local poderá instituir juiz conciliador ou recrutar conciliadores para auxiliarem o juiz da causa na tentativa de solução amigável dos conflitos.
 § 3o Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas de solução do conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, inclusive a arbitragem, na forma da lei, a mediação e a avaliação neutra de terceiro.
§ 4o A avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.
§ 5o Obtido o acordo, será reduzido a termo e homologado pelo juiz.
§ 6o Se, por qualquer motivo, a conciliação não produzir resultados e não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, na mesma audiência, fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário”. (NR)”.
“Art. 331-A - Em qualquer tempo e grau de jurisdição, poderá o juiz ou tribunal adotar, no que couber, as providências previstas no artigo anterior.”
         O juiz detém a prerrogativa de em qualquer tempo ou grau de jurisdição usar do expediente de remeter a causa ao procedimento da mediação ou ele mesmo a realizá-la. Contudo, é notório o excesso de trabalho reservado ao magistrado e certamente este não gozará de tempo suficiente para realizar sempre o procedimento por ele mesmo. Assim, é necessário que ele conheça as técnicas usadas na mediação para ter a sensibilidade e perceber as demandas que merecem o devido tratamento aprofundado das relações. Além disso, conhecedor do conjunto de técnicas adotadas, ele poderá valer-se das mesmas (ou somente de algumas) para aprofundar ali mesmo em audiência e atingir o âmago da questão, o que propiciará um provimento jurisdicional mais pertinente e eficaz.  

DIREITO COMPARADO - Locais em que a mediação é utilizada com sucesso
ARGENTINA
            Em meados da década de 90, a mediação foi institucionalizada da Argentina (decreto 1480/92 e Lei 24.573/95 – obrigatoriedade da mediação prévia ao processo judicial), por iniciativa do próprio Poder Judiciário. O referido Programa Nacional de Mediação foca-se nas causas relativas ao direito de família, contudo, não se restringe aos litígios jurídicos, mas também abrange aos conflitos escolares, comunitários, no âmbito das organizações não governamentais e privadas. Através da análise de experiências realizadas em outros países, os institucionalizadores concluíram que a implementação de formas alternativas de resolução dos conflitos (e com relação ao direito de família, especialmente a mediação) produz em curto prazo efeitos favoráveis sobre a carga de trabalho dos juízes; em longo prazo - se efetivamente se logra uma mudança de mentalidade na sociedade (especialmente nos operadores do direito) - é possível esperar um maior acesso à Justiça conjuntamente com uma baixa no índice de litigiosidade, ou seja, redução do ingresso de causas no sistema jurisdicional. Logo, somente chegarão à atividade jurisdicional aqueles conflitos que não tenham sido resolvidos pelas partes por si mesmas ou com a ajuda de um terceiro neutro, com ou sem poder de decisão.
          A despeito das dificuldades iniciais como o desconhecimento e a desconfiança do novo procedimento, após quatros anos de vigência da lei os números alcançados são expressivos no contexto de transformação. Em torno de 80% dos acordos gerados pela mediação foram cumpridos de forma espontânea e 51,6% dos casos submetidos ao procedimento tiveram o trâmite judicial retomado (Juan Carlos G. Dupuis no artigo "La Reforma Judicial en Argentina: Justicia Inmediata. Menor Cuantia Y Sistemas Alternativos de Resolución de Conflictos. A Cuatro Años de la Mediación.").


ESTADOS UNIDOS    
             Há 50 anos existem estudos referentes à utilização dos meios alternativos de solução de conflitos nos Estados Unidos. Contudo, a institucionalização ocorre de maneira diferenciada tenda em vista a competência de cada estado confederado para legislar quanto aos procedimentos judiciais a serem adotados.
        Tomemos como exemplo o estado da Flórida no qual o procedimento fora institucionalizado em 1987(revisado algumas vezes para atender às constantes transformações sociais). A partir de um intenso preparo dos agentes mediadores (extrajudiciais, advogados e magistrados), o procedimento conquistou credibilidade junto ao público. Além disso, a legislação concede garantias próprias da magistratura aos mediadores com a finalidade de fortalecer a noção de carreira e estimular a especialização.
       Assim, devido ao alto grau de conhecimento sobre o procedimento (mesmo este sendo apenas voluntário, de forma diversa da legislação argentina e pretensa brasileira) e suas consequências por parte dos usuários, bem como a boa qualidade na formação dos profissionais, tem-se logrado sucesso quanto ao uso da mediação. De acordo com a Association for Conflict Resolution, em torno de 85% dos casos de divórcio encaminhados (voluntariamente) para mediação são resolvidos por acordo, e, este mesmo percentual cai para 60% quando o caso é remetido compulsoriamente para a mediação (WALLERSTEIN; CORBIN, 1999).
Outros Países     
            Podemos ainda citar outros países nos quais a prática da mediação vem sendo adotada com grande sucesso em diferentes estágios de evolução. De forma avançada na Espanha, França, Inglaterra, Noruega, Canadá, China, Nova Zelândia, Austrália. De maneira incipiente na Colômbia, El Salvador, Costa Rica, Porto Rico, Peru, Guatemala, Nicarágua e Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais).  

Guilherme Abreu

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